Ao explanar sobre a questão, o procurador e coordenador regional da Coordenadoria Nacional de Combate à Exploração do Trabalho de Crianças e Adolescentes do MPT/SE (Coordinfância), Raymundo Lima, destacou a gravidade da sobnotificação dos casos de trabalho infantil.
Manter as crianças livres do trabalho infanto-juvenil é o principal objetivo do Programa de Combate ao Trabalho Infantil e de Estímulo à Aprendizagem do TRT da 20ª Região (TRT-20). Pensando nisso, na quinta-feira, 27/4, os gestores regionais do Programa, o desembargador Thenisson Santana Dória e a juíza Kamilla Mendes Laporte trouxeram para o auditório da Escola Judicial (Ejud-20) para debaterem o tema “Trabalho Doméstico Infanto-Juvenil: uma questão contemporânea”, o procurador do Ministério Público do Trabalho de Sergipe (MPT/SE), Raymundo Lima, a professora da Universidade Federal de Sergipe (UFS), Shirley Silveira e a advogada Cristiana Barbosa.
“Nós estamos em uma realidade de conhecimento de fatos de trabalho doméstico de pessoas adultas em situação análoga ao escravo. E o trabalho infanto-juvenil doméstico tem uma invisibilidade, ou seja, não se tem conhecimento da realidade. Então, é fundamental que o Programa de Combate ao Trabalho Infantil da Justiça do Trabalho fomente esse tipo de debate para trazermos uma consciência sobre o assunto, as dificuldades encontradas e o que podemos fazer para combater este tipo de trabalho. Assim, convidamos professoras especializadas e membros do Ministério Público para debater o tema e ampliar mais e mais essa discussão”, declarou o desembargador Thenisson Dória.
A juíza Kamilla Mendes Laporte, cuja família enfrentou a problemática do trabalho infanto-juvenil há 30 anos, informou que esse tipo de situação nos dias de hoje, principalmente as que são análogas ao trabalho escravo, causam grande espanto. “Nosso papel aqui hoje, não só o meu como gestora, mas o de cada um de nós, primeiramente, é o de conscientização. Temos uma importância muito grande na nossa sociedade. Que hoje, nestas palestras, sejamos alertados e instruídos sobre como podemos influenciar os demais integrantes da nossa sociedade, seja na nossa vida como juiz em nossos julgamentos, seja como sociedade, em casa, na vizinhança e na família. Nós podemos sim, exercer o papel influenciador positivo onde vivemos e é isso o que desejo a todos aqui presentes, que saiamos mais ricos nesse tema”, afirmou a magistrada na abertura do evento.
Ao explanar sobre a questão, o procurador e coordenador regional da Coordenadoria Nacional de Combate à Exploração do Trabalho de Crianças e Adolescentes do MPT/SE (Coordinfância), Raymundo Lima, destacou a gravidade da sobnotificação dos casos de trabalho infantil. “É uma violência silenciosa, invisível, e nós sabemos, principalmente pela pesquisa do Penad, do IBGE, que existem casos, ainda, de informalidade do emprego doméstico, como um todo, e, principalmente, da exploração do trabalho infantil doméstico, que é uma atividade ilegal, vedada, inclusive, a adolescentes”, informou, lembrando que, pela legislação brasileira, o trabalho em casas de família (doméstico) só é permitido a partir dos 18 anos de idade, e que a ilegalidade dessa atividade só aumenta a subnotificação dos casos.
“Então, eventos como esse aqui são importantes para tirar o tema das sombras da invisibilidade e trazer os órgãos que julgam, a exemplo do Tribunal, do Ministério Público e da Auditoria Fiscal, entre outros, para a realidade do debate. Isso é importante!”, destacou o procurador Raymundo Lima.
Explanação do tema
Autora do livro “Doméstica de Criação”, a advogada Cristiana Santana, afirmou que ainda é preciso avançar muito na discussão dessa problemática. “Nos últimos anos nós tivemos resgates de diversas trabalhadoras que passaram toda uma vida numa condição de escravidão porque um dia foram trabalhadoras infantis. Então, tratar sobre esse problema hoje requer que a gente olhe para o passado e veja o que fizemos para que, ainda hoje, haja tantas mulheres sendo escravizadas porque, justamente, um dia, foram crianças trabalhadoras. Acredito que a gente tem que pensar nessa questão com muita sensibilidade, principalmente para conseguir enxergar essa realidade na vida de nossas crianças hoje e de outras pessoas que, um dia, foram levadas para essa situação numa perspectiva de que teriam uma melhor condição de vida”, disse ela.
Como professora da Universidade Federal de Sergipe (UFS), líder do grupo de pesquisa e estudos trabalho escravizado contemporâneo e autora do livro “A mulher negra no mercado de trabalho: condições escravistas das trabalhadoras domésticas”, Shirley Silveira informou que para combater o trabalho infantil é preciso que haja políticas públicas voltadas para que as crianças em situações de trabalho possam ter o estudo como referência e que a sociedade também se some para combater essa ilegalidade, denunciando os casos de trabalho infanto-juvenil para que eles venham à tona, saindo da invisibilidade.
“É muito comum vermos crianças fazendo carrego na feira ou uma menina lavando pratos na casa de uma pessoa. Existe um lugar comum na sociedade de que o trabalho dignifica o ser humano, que isso é importante para o processo de formação da pessoa. No entanto, sempre digo que nunca fui trabalhadora infantil e eu me formei, enquanto trabalhadora, sem esse percurso”, afirmou.
A professora, ressaltou, ainda, que o trabalho infantil, infelizmente, é útil para o sistema econômico global. “É comum que a gente tenha tipos de pessoas, em determinados locais, exercendo essas funções de trabalho. Isso é um problema cultural mas é, também, um problema útil para o sistema econômico que a gente vive. Tanto que o trabalho infantil não existe somente em Sergipe ou no Brasil; ele é usado em vários países do mundo. Para nós da classe média, o estudo é algo real e concreto, é um caminho de ascensão social. Porque eu tive meu pai, que foi um exemplo, e, muitas vezes essas crianças e adolescentes não têm referência nesse sentido. Então, para elas, a escola é mais uma perda de tempo porque elas precisam sobreviver”, destacou.
Participações
Convidada para fazer a abertura do evento, a desembargadora e vice-presidente do TRT-20, Vilma Leite Machado Amorim, destacou que é lamentável ainda ser necessário tratar de problemas como o do trabalho infanto-juvenil, que já deveriam ter sido combatidos há muitos anos. “Estamos felizes porque este Seminário possibilita o encontro de pessoas muito queridas e que são agentes de transformação dessa realidade perversa que é o trabalho precoce. Por outro lado, é muito triste que, em pleno século XXI, estejamos ainda tratando de um tema que já deveríamos ter vencido lá atrás, que são as mazelas do trabalho infantil e do trabalhador adolescente de forma precoce. Então, esse evento é importante porque temos muito ainda a fazer, e os números demonstram que há um retrocesso em função da pandemia e da crise econômica mundial. É um assunto, infelizmente, atual e que demanda que pessoas afetas ao tema, reúnam-se e criem ações que proporcionem políticas públicas estruturantes. Essa é a nossa realidade”, declarou a magistrada.
Também participaram do evento o diretor da Ejud-20, desembargador Josenildo dos Santos Carvalho; o desembargador Jorge Antônio Andrade Cardoso; a juíza titular da 8ª Vara do Trabalho de Aracaju e presidente da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 20ª Região (Amatra-20), Eleusa Maria do Valle Passos; a juíza coordenadora do Centro Judiciário de Métodos Consensuais de Solução de Disputas de 1º Grau (Cejusc-JT), Júlia Borba Costa Noronha e a presidente da Associação Sergipana de Advogados Trabalhistas (Assat), Gabriela Milano, representando, neste ato, a Ordem dos Advogados do Brasil Seccional de Sergipe (OAB/SE).