O La Stampa, italiano, compara a uma “Caixa de Pandora” a investigação em curso naquele país, iniciada nesta semana, sobre o “canal direto” que existiria entre o ex-ministro do Desenvolvimento do Governo Berlusconi, Claudio Scajola – acusado de propósito de corrupção em uma malograda venda de fragatas italianas ao Brasil – e o então Ministro da Defesa do Governo Lula em 2010, Nelson Jobim.
Naquele ano – em que a Itália insultava publicamente o Brasil devido ao Caso Battisti – já causara estranheza a carona aceita pela Marinha Brasileira, ao embarcar, em Fortaleza, em um navio aeródromo italiano, helicópteros e marinheiros brasileiros destinados ao Haiti.
Agora, estoura na imprensa italiana, com grande destaque, a investigação sobre a projetada venda de fragatas FREMM, franco-italianas, ao Brasil. Além da busca, autorizada pela justiça, em vários endereços de Roma e Nápoles, foi efetuada também a prisão de um funcionário de alto escalão da Finmeccanica (grupo estatal italiano fabricante de armamentos), Paolo Pozzessere, envolvido em outra ponta do caso – a venda de armas e helicópteros ao Panamá.
O escândalo Scajola-Finmeccanica evidencia, mais uma vez, em que plano se coloca a colaboração entre as empresas ocidentais de defesa – a maioria delas controladas por seus respectivos governos – e o nosso país.
A idéia é, sempre, a de obter a fabricação, lá fora ou aqui mesmo, de encomendas destinadas às Forças Armadas brasileiras, desde que não se transfira tecnologia e que se assegure baixíssimo índice de conteúdo nacional.
Para isso, sempre que necessário, adquire-se o controle de empresas brasileiras, algumas detentoras de projetos já desenvolvidos com as nossas forças armadas, para entrar com mais segurança no mercado.
Em caso de conflito futuro do Brasil com algum país da OTAN ou com os Estados Unidos, bastará usar a tática do “último tango no front”, aplicada exemplarmente à Argentina em seu conflito com a Inglaterra nas ilhas Malvinas. Suspende-se a fabricação de armamento e a reposição de peças e munição para as armas e para os aviões e navios vendidos anteriormente, já que a lealdade dessas empresas sempre estará com seus donos, os governos de seus respectivos países.
Devemos seguir o exemplo europeu, que ancorou sua estratégia de defesa em empresas estatais como a DNCS francesa (que nos vendeu os submarinos Scorpéne), a BAE britânica (que nos vendeu três fragatas recentemente) e a franco-alemã-espanhola EADS (que controla a Helibrás, e que nos prometeu passar a tecnologia de construção de helicópteros a partir de 2020). O Brasil precisa – quem sabe usando a AMAZUL como base – constituir estrutura pública própria para a pesquisa, o desenho e a construção de material bélico.
Com essa empresa, nacional e estatal, teríamos escala para aproveitar a tecnologia desenvolvida pelas nossas próprias indústrias de armamento, que estão sendo adquiridas a ritmo avassalador por multinacionais estrangeiras. E poderíamos estabelecer, finalmente, parceria estratégica com os BRICS para o desenvolvimento de toda uma nova geração de armamentos.
Na terça-feira, mesmo dia em que estourou o escândalo Scajola na Itália, o presidente russo Vladimir Putin declarou, à saída da reunião de uma comissão governamental, que Moscou tomou a decisão de estreitar sua cooperação técnica e militar com os outros países dos BRICS: “nossa cooperação militar e técnica com essas nações deverá atingir patamar mais elevado, que leve em consideração o alto do potencial tecnológico, industrial e científico dessas nações. A cooperação com a Índia, por exemplo, não se limita à venda de armamento russo. A pesquisa e a concepção conjunta e a produção sob licença de material destinado a terceiros países é cada vez mais freqüente.”
Esse assunto poderá ser abordado na visita que a Presidente Dilma Roussef fará a Moscou, em dezembro. O governo russo estaria disposto a reabrir seu mercado para as carnes brasileiras em troca da exportação ou da produção conjunta de armamentos. Para voltar a participar do Programa FX, de aquisição de caças para a Força Aérea, os russos aceitariam compartilhar a tecnologia dos aviões Sukhoi 35, venderiam a Brasília seus mísseis anti-aéreos Tor, e renovariam o convite para que o Brasil participe do acordo do PAK-FA T-50, como sócio pleno do caça-bombardeio de quinta geração que estão desenvolvendo junto com a Índia, para entrar em operação por volta de 2018.
Por: Mauro Santayana
Fonte: Blog do Mauro Santayana / Gama Livre – 26/10/2012