Avaliação da competência, o partido político e os fatores demográficos e a avaliação moral também atuam como como atalhos cognitivos, ou seja, fontes de conhecimento sobre política e governo para o eleitor médio.
Avaliação da competência como atalho cognitivo
Certos eleitores usam a avaliação de competência dos candidatos como um importante atalho cognitivo. Eles aplicam, o pouco tempo que dedicam aos assuntos políticos, mais neste tipo de avaliação do que nos projetos, propostas, planos de governo, partido, ideologia, ou ainda outros tipos de atalhos. Agem assim porque direcionam estrategicamente a sua decisão de voto para os resultados da ação de governo.
A avaliação de competência é, para eles, um indicador da capacidade de lidar com o governo e de fazer com que “as coisas aconteçam”. Para eles, governar é uma tarefa difícil, complexa, na qual de pouco adiantam as boas intenções apenas.
Agem como cautelosos investidores, e buscam, nas atitudes, comportamentos e biografia dos candidatos, aquele que lhes parece o mais qualificado para a função. O outro mecanismo, ainda que rudimentar e precário, que utilizam é extrapolar o julgamento de competência, de áreas com as quais estão familiarizados, para outras áreas que não lhes são familiares (o governo, por exemplo).Dois exemplos da política americana ilustram como estes atalhos foram manejados pelos eleitores, em situações reais.
Na vitória de Eisenhower em 1952, 7 anos após o fim da II Guerra Mundial, e já em plena guerra fria, com o conflito coreano em curso, a maioria dos americanos avaliou que, se Eisenhower tinha tido sucesso como comandante geral das Forças Aliadas na guerra, possuía competência suficiente para governar os EUA, e, sobretudo, lidar com os problemas internacionais.
Este é um exemplo em que o eleitor extrapolou o julgamento de uma área que conhecia (desempenho de Eisenhower na guerra) para uma área que pouco conhecia, governar o país. O outro exemplo, refere-se à atitude do candidato, como um indicador de sua competência. Em 1972, o senador democrata George McGovern disputava contra o republicano Richard Nixon a presidência dos Estados Unidos. McGovern perdeu as chances de competitividade, quando se mostrou hesitante, inseguro, indeciso, depois que foi revelado que seu companheiro de chapa, o Senador Thomas Eagleton, tinha se submetido a tratamento com eletrochoque, quando jovem.
A vitória de Eisenhower em 1952, 7 anos após o fim da II Guerra Mundial, foi fruto de um atalho cognitivo do eleitorado
A hesitação em tomar posição, defender seu companheiro, denunciar a baixeza do ataque, e tranqüilizar a nação, fez com que grande parte dos que o apoiavam julgassem que ele não estava à altura do cargo, e que não possuía a competência e qualificação que para ele se exige. Uma atitude, ou não atitude, frente a uma situação crítica, foi suficiente para servir de indicador de falta de competência. E o julgamento sobre a competência foi o atalho cognitivo para a decisão do eleitor.
O partido político e os fatores demográficos como atalho cognitivo
O fato de que muitos eleitores desenvolvem uma identidade e fidelidade partidária, ou, pelo menos, uma simpatia maior por um partido político, é um outro tipo de atalho cognitivo. Esta atitude – fidelidade, simpatia partidária – implica em que o eleitor não encara cada eleição como uma nova oportunidade de escolha, como uma realidade única que se fecha sobre si mesma.
Ao contrário, aquela eleição se encadeia com uma seqüência de eleições anteriores, com uma tradição pessoal de voto. É certo que, esta relação entre partido e voto, é variável. Em sistemas políticos onde os partidos são fortes e institucionalizados, esta relação é muito consistente, e os partidos funcionam como eficientes atalhos.
Já sistemas políticos onde os partidos não se enraizaram na sociedade, e os eleitores preferem votar em candidatos a votar em partidos – como é o caso brasileiro – a função de atalho é muito limitadamente executada pelos partidos. O partido somente funcionará como atalho para aquela minoria de eleitores que possui fidelidade partidária, ou forte simpatia por ele.
Por isso, as pesquisas políticas indicam:
que o eleitor brasileiro vota predominantemente “na pessoa do candidato” em detrimento “do partido do candidato”;
que, para a maioria dos eleitores, a “influência consentida”, (isto é, a pessoa em quem confia para checar e validar informações) é, predominantemente, alguém do seu entorno – familiares e amigos;
que, em segundo lugar, como influência consentida, aparecem os comentaristas políticos, jornalistas e radialistas;
e, que, finalmente, bem abaixo, nesta escala, encontram-se os líderes políticos.
Dados demográficos também operam como atalhos, para certos eleitores. Preferências, preconceitos, pressupostos, associados a características demográficas como sexo, idade, raça, religião, condição econômica, nível cultural, podem ser usados como critérios para exclusão de alguns candidatos, e de seleção de outros. Nestes casos o atalho funciona como um previsor de atitudes, comportamentos e linha política. Inferem, estes eleitores, da condição demográfica do candidato as suas preferências políticas e programáticas, assim como as probabilidades de que se mantenha dentro das prioridades do eleitor que adota este atalho.
Nos EUA este tipo de atalho assume a forma de voto étnico: os negros “devem” eleger negros, os latinos “devem” eleger latinos, os asiáticos “devem” eleger asiáticos, e assim sucessivamente através de todo o imenso caleidoscópio de grupos étnicos e de nacionalidades, que integram o eleitorado americano.
EUA: o voto étnico assume, às vezes, papel de atalho cognitivo
Entre nós, é mais freqüente o apelo ao voto feminino, ao voto jovem, ao voto naquele que “veio de baixo” e ao voto religioso, como atalhos desta natureza. O eleitor, nestes casos, está dispensado de pensar muito sobre a política, de buscar e processar informações complexas e variadas, porque o seu escolhido “é um dos nossos”, logo, deve pensar como “nós”, deverá ter as mesmas prioridades, e saberá defender os “nossos” interesses.
Avaliação moral como atalho cognitivo
Alguns eleitores buscam, no processo eleitoral, evidências que permitam excluir candidatos por razões éticas, como um atalho cognitivo. Eles concentram sua atenção no grau de congruência que existe entre, as manifestações de intenção e a sinceridade do candidato, como forma de estabelecer a integridade e confiança que ele revela possuir.
Em outras palavras, eles estão preocupados em descobrir se, as posições políticas e programáticas do candidato, são a expressão de um genuíno e autêntico comprometimento pessoal, ou se são apenas táticas de campanha, para ganhar votos. Esta é uma atitude comum na vida em geral. Em situações de incerteza, nós sempre preferimos apostar em quem revela possuir sinceridade e bom caráter.
Nas palavras de Aristóteles:
“Nós acreditamos que pessoas boas são mais completas e íntegras que outras menos boas; isto é verdadeiro de maneira geral, para qualquer questão, e absolutamente verdadeiro quando a certeza é impossível, e as opiniões estão divididas” (Aristóteles – Retórica e Poética)
Assim, quando os eleitores avaliam os candidatos, com o objetivo de definir sua preferência, ficam muito atentos à sua sinceridade, para descobrir se ele realmente está interessado nas preocupações deles. Eles fazem este atalho, e fazem uma cuidadosa estimativa da autenticidade política do candidato, a partir de sua moralidade pessoal e de seu caráter, pressupondo que, na ausência de mais informações (que, embora existam, eles não têm tempo nem interesse de buscar) o candidato tratará os cidadãos da mesma forma como trata seus familiares e amigos.
Este é um atalho cognitivo que serve mais para excluir do que para decidir. Por estas razões, os candidatos são tão ciosos de sua imagem e da necessidade de responder de forma cabal as acusações que lhe são feitas.
Eles sabem que boa parte do eleitorado adota o atalho moral para decidir sobre a exclusão de um candidato. Por isso também, a reputação é o bem mais valioso de seu patrimônio político, e, em nenhum momento está mais ameaçada do que durante o processo eleitoral.
Em conclusão, a teoria da racionalidade de baixa informação demonstra como é possível conciliar o baixo nível de interesse e informação política da maioria dos eleitores, com a exigência de uso da racionalidade nas decisões de voto dos seus cidadãos.
O eleitor comum encontra caminhos para informar-se, conectar as informações com a política e o governo, validar as informações que adquire com pessoas de sua confiança, e, mediante o uso de atalhos cognitivos, reduzir o leque de opcões que lhe é oferecido pela campanha, e encaminhar uma decisão pessoal.
Tudo isto sem ter que deslocar, o tempo que dedica às suas prioridades pessoais, para acompanhar uma dinâmica política remota de sua vida pessoal além de complexa e confusa. No dia da eleição, o eleitor, com uma racionalidade conquistada com baixa informação, é capaz de chegar a decisões de voto responsáveis e satisfatoriamente racionais.
Fonte: Política para Políticos