Transição: escolhendo mal a equipe de governo I

Nomes ilustres, com luz própria e independentes nem sempre são uma escolha conveniente.

Há muitas maneiras de começar mal um mandato, e de modo muito especial um governo. Uma das formas mais comuns de um início equivocado resulta de escolhas mal feitas para a equipe de governo. Há várias razões que concorrem para fazer escolhas ruins. Desde logo, há que considerar que a formação de uma equipe de governo é uma “composição”. Ao escolher nomes para integrar a equipe, o governante terá que levar em conta injunções partidárias, expectativas de aliados e de colaboradores importantes da campanha assim como a seleção de técnicos e especialistas sem militância partidária.

A formação de uma equipe de governo é uma “composição”

Terá que fazer suas escolhas com um olho voltado para a mídia, outro para o legislativo (onde precisa conseguir maioria), outro para os aspectos técnicos da administração, e outro para seus aliados políticos. Reconhece-se que é muito olho para uma só pessoa. Mas esta é a situação.

Longe estamos da fase da campanha, quando o candidato era totalmente livre para escolher seus auxiliares e colaboradores. Como é ele quem viabiliza a campanha financeiramente (e não o partido), e, como é ele quem sofrerá diretamente as consequências da derrota, ninguém tem poder para impor-lhe nenhum nome. No governo, a realidade é outra. O partido ganha força, o legislativo precisa ser agradado e atraído, e existe o compromisso de fazer um governo que corresponda às expectativas que ele despertou na campanha.

Aliás, quando as pressões ficam excessivas, é neste argumento básico (responsabilidade de fazer um governo que corresponda às expectativas dos eleitores) que o candidato “se agarra” para resistir.

Os objetivos buscados com a formação

da equipe são vários e diferenciados:

– Fortalecer o partido

– Obter maioria ou a boa vontade do legislativo

– Corresponder às expectativas geradas pela eleição

– Prestigiar apoiadores e colaboradores

– Obter uma boa receptividade da mídia

Conciliar estes objetivos não é tarefa fácil, mas o candidato vitorioso conta com muitos recursos para consegui-lo. Há cargos de primeiro, segundo e terceiro escalão, há comissões existentes e que ele pode criar, há funções de assessoria, empresas públicas, diretorias de estatais, etc. Com calma, paciência e habilidade é possível acomodar as principais reivindicações e compor uma equipe adequada para governar, sem deixar de atender aqueles objetivos. Nesta coluna vamos analisar uma destas escolhas, que costuma ser catastrófica para o governante, mas que ocorre com frequência porque é muito atraente e tentadora.

O caso do nome ilustre, com luz própria e independente

Na composição do governo, não é incomum que surja a ideia tentadora de convidar uma pessoa ilustre, respeitada e famosa, sem envolvimento político, ou que tenha apoiado outro candidato, para integrar o governo. Trata-se de uma idéia tentadora, porque representa um “lance” político ousado, um ato surpreendente, por meio do qual o eleito dá uma demonstração de sua disposição democrática de abrir o governo para pessoas independentes, que não vai governar apenas com os do seu partido e com os que o apoiam de maneira incondicional.

Não é incomum que surja a ideia de convidar uma pessoa ilustre, sem um envolvimento político

Mais ainda, sendo uma pessoa ilustre, seu ingresso no governo “agrega politicamente”. Ele traz a aceitação de segmentos da opinião pública que eram hostis, céticos ou indiferentes ao novo governo. É a prova de que pretende ser o governante de todos, e não apenas dos que o elegeram. Para a mídia é uma festa. É um fato novo que produz grande impacto. Aliás, o governante logo percebe que alguma coisa está errada pela reação da mídia nas notícias e nos comentários. Seu colaborador eclipsa completamente a sua imagem, enquanto é notícia.

O que é mais significativo entretanto é que se exalta o escolhido pelos seus méritos, pelo que trará de qualidade para o governo, e sutilmente, ele é situado numa posição de juiz das boas e verdadeiras intenções que jazem por trás da escolha, silenciando-se ou referindo apenas de passagem ao mérito de quem o escolheu. O governante que tomar esta decisão está comprando por antecipação um grande problema para seu governo, que, cedo ou tarde, vai se manifestar.

Esta pessoa ilustre é independente e tende a sentir-se como avalista das boas intenções do novo governo. O pacto mediante o qual o colaborador ilustre veio para o governo é totalmente diferente do celebrado com os outros. Contém uma quota insuportável de subjetividade. O colaborador ilustre não tem um vínculo político pessoal com quem o escolheu. Ele se sente como escolhido pela sociedade, e o governante apenas limitou-se a reconhecer esta realidade. Seu mérito resume-se a aceitar submeter-se a esta “imposição social”.

Como é uma pessoa independente, que tem luz própria e uma “reputação a preservar”, se constitui numa “pedra no sapato”. Certas coisas não se podem falar na frente dele, outras ele não pode tomar conhecimento. Outras ainda é preciso gastar horas e dias preciosos para convencê-lo. Se for mantido fora das deliberações principais, sentir-se-á discriminado, excluído. Se integrar as deliberações poderá levantar problemas inconfortáveis, em questões que para todos são consensuais, atrasando ou paralisando a administração. Tende a ser uma pessoa carregada de escrúpulos, reservas e com uma permanente desconfiança de que pode estar sendo usado. Da parte do governante, passado o momento inicial em que seu governo ganhou um acréscimo de popularidade com a escolha, sente-se um prisioneiro. Precisa a todo custo evitar que o colaborador ilustre e independente se decepcione e “peça as contas”.

Se o nome ilustre deu prestígio, sua saída, lógico, será um abalo

Este é o temor paralisante com o qual passa a viver: Se o nome ilustre agregou prestígio ao governo ao aceitar o convite, sua saída do governo será um abalo político. “Se sair atirando”, isto é, denunciando que havia se enganado, que o governo não tem aquelas boas intenções propaladas, que não aceita certos procedimentos, ou denunciando alguma prática ilegal ou não ética, sua passagem pelo governo em nada ajudou e muito prejudicou.

Se sair de forma discreta, não falando sobre o governo, ainda assim é um abalo de proporções. Sua saída lança uma dúvida forte sobre um governo que não estava à sua altura, ou no qual não poderia continuar. Por que não poderia continuar? Esta questão presta-se a todo tipo de interpretação negativa, e alimenta todos os tipos de suspeita.

Assim sendo, pense muito, mas muito mesmo, antes de convidar uma pessoa com um perfil deste tipo para integrar seu governo. A menos que haja um vínculo pessoal de amizade entre você e ele (independente de preferências políticas), e uma amizade que se traduza em fidelidade política, não cometa o erro de convidá-lo. Os ganhos iniciais com a escolha são incomensuravelmente menores do que as perdas políticas que terá quando ele sair. E ele vai acabar saindo…

Fonte: Política para Políticos

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