O poder sempre carrega, em torno di si, uma aura de mistério. Em todos os tempos, em todas as civilizações, o detentor do poder separa-se do comum dos mortais, por símbolos, procedimentos especiais, prerrogativas, trajes e moradias diferenciadas e exclusivas, regulamentação rigorosa do acesso a ele, tudo isto e muito mais, conforme a sociedade, para assinalar a sua pré-eminência, sua hierarquia superior, sua maior importância.
O poder e seu mistério: a sacralização
A sacralização do poder usada pelos egípcios induz elementos de mistério ao candidato.
Ao longo da história, mesmo indivíduos que conquistavam o poder insistindo na sua igualdade com as pessoas comuns, uma vez nele instalados, submeteram-se às regras da “sacralização” do poder que neles estava investido.
É este processo de “sacralização do poder”- que não necessita possuir uma base religiosa – que, ao afastar o governante do “convívio” com os governados e conferir-lhe a posição “sui generis” que desfruta, introduz aquele elemento de “mistério” em torno de sua pessoa.
À sua pré-eminência corresponde a deferência; à hierarquia superior o respeito e obediência; ao mistério, uma suspense continuada sobre suas intenções e ações, que às vezes transforma-se em temor. Esta não é uma condição exclusiva da política.
Todas as organizações que se pretendem permanentes e que se propõem a exercer uma influência sobre os indivíduos, administram proximidades e acesso aos seus líderes, mediante fórmulas, rituais, e regras, mantendo assim o seu “mistério”.
Assim ocorre com as religiões, com as profissões (atente-se para o mistério que cerca a profissão médica), com instituições educacionais como Universidades, com a carreira militar, etc.
Na política, entretanto, um certo mistério, a suspense, e uma calculada imprevisibilidade, são recursos que um líder e governante necessita para manter-se no poder. No jogo da política, todos, tanto os auxiliares mais próximos, quanto seus adversários, a mídia, os grupos de interesse organizados, os demais políticos e até os eleitores, estão sempre tentando “decodificar” o líder.
Há, pois, um trabalho que é levado a cabo diariamente, por todas estas pessoas, com o objetivo de “abrir o livro”. Isto é, de conhecer as idéias, opiniões, sentimentos, avaliações e planos, do governante. Por isso, são tão atraentes as publicações que prometem “informações reservadas”, por isso há tanta curiosidade sobre a vida pessoal dos líderes. Quem conhecer suas idéias, opiniões e planos, pode antecipar-se e tirar vantagem ou defender-se delas.
Da parte do governante, no momento em que ficarem conhecidas suas intenções e planos, ele imediatamente perde grande parte de sua importância e até do seu poder para implantá-las.
Fale pouco e cultive uma calculada imprevisibilidade
Para Charles De Gaulle, o medo ou o desejo leva o homem a buscar alívio nas palavras
É pela palavra e pelos gestos que o político o mais das vezes revela seu mistério e abre mão de sua imprevisibilidade. Falar, e mais grave ainda, revelar pensamentos, planos, opiniões, torna o político banal, porque previsível, abala os fundamentos de sua liderança, ao revelá-lo igual aos outros.
Gracián vai ao ponto de alertar que o político no poder, não deve expressar suas idéias muito claramente:
“A maioria das pessoas desvaloriza aquilo que facilmente entende, e veneram o que não entendem. Para serem bem valorizadas, as coisas devem ser difíceis. Para conquistar o respeito pareça mais sábio e mais prudente do que seria exigido pela pessoa com quem você está tratando. Faça com que ele fique intrigado e tentando entender o significado do que você falou.Mas faça-o com moderação.”
Falar muito, falar sobre si, é ordinariamente percebido como um sinal de fraqueza que induz a familiaridade fácil, a desvalorização e o desrespeito, muito embora o sentimento inicial, daquele para quem se falou, possa ter sido de lisonja e orgulho. Este sentimento muda ao longo do andamento da conversa. Falar muito, falar sobre si, é o que fazem as pessoas comuns. De um líder espera-se reserva, discrição e mistério.
Novamente é De Gaulle quem o diz de forma lapidar:
“O homem que é movido por desejos ou por medo, é conduzido naturalmente para buscar alívio nas palavras. Se ele cede à tentação é porque, ao externalizar sua paixão ou seu terror, ele tenta lidar com eles. Falar é diluir o pensamento, é dar vazão ao ardor, em suma, a dissipar a força, enquanto que a ação exige a sua concentração.”
O silêncio é a preliminar necessária para o ordenamento do pensamento. Os homens instintivamente desconfiam de um líder que fala demais. Mas este hábito sistemático de reserva, adotado pelo líder, produz pouco ou nenhum efeito, a menos que seja percebido como a forma pela qual ele oculta a sua firmeza e determinação
É precisamente do contraste entre poder interior e controle externo que a ascendência é reconhecida, assim como o estilo num jogador consiste na sua capacidade de mostrar mais frieza que o usual, quando aumenta a aposta, e a qualidade de um ator está em mostrar emoção, mantendo controle sobre si.”
Fonte: Política para Políticos