O paradoxo da democracia moderna é funcionar adequadamente com uma cidadania pouco informada e pouco participativa.
A teoria mais atualizada sobre o paradoxo da democracia moderna de funcionar adequadamente com uma cidadania pouco informada e pouco participativa foi formulada pelo cientista político americano Samuel Popkin. Ela se chama teoria da racionalidade de baixa informação.
O eleitor médio não atribui alta prioridade à política e adquire apenas informações básicas.
Não se trata, porém, de uma teoria abstrata, desconectada das preocupações da política prática. Muito ao contrário. É uma teoria que tem aplicações práticas muito claras, na medida em que esclarece como funciona a mente do eleitor médio, e seus processos mentais para orientar-se no mundo da política. A questão básica é portanto, como e porque este eleitor, que atribui baixa prioridade à política, adquire informações básicas sobre um assunto que pouco lhe interessa. Mais ainda, como este eleitor, a partir desta condição, logra alcançar aquela racionalidade de baixa informação, para decidir seu voto, que não deixa de ser racionalidade, ainda que de baixa informação.”
A vida diária
Em termos econômicos, o processo de procurar, analisar e avaliar a informação política acarreta um custo : um investimento de tempo e de energia. Por outro lado, o retorno deste investimento é pequeno, e desproporcional ao seu custo.
Por exemplo, a saúde da economia do país tem mais efeito nas vidas das pessoas do que se a mesma pessoa escolheu certo o local onde passar suas férias. Mas o tempo gasto para decidir onde passar as férias costuma levar a decisões acertadas, enquanto que o tempo dedicado a entender e acompanhar a economia nacional, não necessariamente conduz a decisões acertadas, embora exija muito mais tempo, estudo e energia.
Em outras palavras, o gasto de tempo e energia para decidir sobre matérias próximas a vida da pessoa, e cujo resultado depende apenas dela, produz uma relação muito satisfatória entre investimento e retorno (É a típica situação do consumidor individual).
Já o tempo e energia gastos para decidir sobre matérias mais remotas da vida individual (e portanto muito mais complexas) e que dependem de uma conjugação multitudinária de vontades, produz uma relação de investimento/retorno, ordinariamente muito pouco satisfatória.
Portanto, para o indivíduo racional, não há incentivos muito poderosos para levá-lo a buscar informações, acompanhar a política, analisar a conjuntura e avaliar estes elementos para uma decisão. Como então o indivíduo comum adquire informações sobre a política que lhe permita decisões racionais?
Em primeiro lugar, uma razoável quantidade de informações são adquiridas na vida diária. Não é necessário ser economista para saber se a economia está andando bem ou mal, ou razoavelmente. Os preços dos gêneros e do combustível, a facilidade/dificuldade de conseguir emprego, a taxa de inflação, a instalação de fábricas, os juros baixos/altos ao consumidor e outras informações deste mesmo nível fazem parte da vida diária das pessoas, como tal, são obtidas pelo simples ato de viver sua vida individual. Também na vida diária adquirem-se informações sobre questões de segurança. As pessoas conhecem outras que já foram assaltadas, ou vitimadas pela violência, sabem quais as regiões e bairros da cidade que são mais perigosos, os jornais e noticiosos apresentam os casos mais violentos, e assim conseguem, ao processar estas informações, uma idéia bastante clara sobre a situação da segurança pública nas suas comunidades.
O eleitor adquire informações sobre questões de segurança e saúde na vida e nos contatos
Informações sobre saúde também são adquiridas na vida diária e nos contatos interpessoais. Procedimentos preventivos, como as campanhas de vacinação, informações sobre riscos associados a certos hábitos (como o fumar, comer comidas gordurosas etc), o tipo de atendimento dado em postos públicos de saúde, em hospitais, a facilidade/dificuldade de conseguir atendimento médico, exames, e medicamentos, permitem às pessoas analisando estas informações, provindas da vida diária, formar uma idéia clara sobre as condições gerais do sistema de saúde.
O mesmo valeria para outras questões que igualmente freqüentam os programas dos candidatos, e se constituem em temas de campanha, como : educação, emprego, habitação, saneamento, trânsito, estradas e vias públicas, limpeza, etc.
Portanto, o mero fato de ser um consumidor de bens e serviços, de transitar pelas ruas da sua cidade, de estar empregado ou estar buscando um emprego, de ter filhos em escolas, já faz com que uma ampla gama de questões políticas entrem na sua vida, sem que o indivíduo tivesse que desenvolver um interesse específico pela política, e tivesse que gastar tempo e energia para buscar essas informações.
Os noticiários da mídia
Os noticiários da mídia também entram na vida das pessoas, pelo seu cotidiano abastecendo o cidadão comum de informações políticas.A maioria das pessoas assiste TV e, grande parte delas, assiste aos noticiários da TV. O mesmo vale para o rádio, e, em muito menor medida para os jornais. Nos EUA, o tempo dedicado diariamente para assistir notícias na TV, rádio e jornais é superior a 30 minutos em média.
No Brasil não temos estatística similar, embora possamos imaginar que, para os segmentos de nível médio e alto de renda e escolaridade, os resultados não deverão ser muito diferentes. A mídia, além disso, desempenha duas funções adicionais:
1 – as suas informações interagem com as informações colhidas pela experiência da vida diária, ora confirmando e conferindo-lhe uma dimensão que as pessoas não imaginavam, ora conflitando com elas;
2 – além disso, as suas informações são “linkadas” com a dimensão política. Quando noticia um crime, além da matéria sobre o crime, há entrevista com o Secretário de Estado, ou com um político, ou o próprio comentarista aproveita a oportunidade para dar-lhe uma dimensão política.
Mais que isto, para a mídia, os governos – local, estadual, nacional- são assuntos permanentes, tanto aqueles que provém do governo, como aqueles que contestam o governo. As questões públicas, tratadas pela mídia, envolvem o governo e a classe política que gravita em torno dele. Como se vê, a vida diária, com a sua ampla trama de relações interpessoais, assim como o consumo natural das notícias da mídia, igualmente diária, já oferece ao eleitor médio, uma boa dose de informações sobre questões políticas, que se constituirão na pauta das campanhas eleitorais
O consumo da mídia oferece ao eleitor médio uma boa dose de informações sobre a política
Conectando a informação com a política e o governo
O eleitor médio, então, sem ter que dedicar tempo e energia específicos para o acompanhamento da política, é capaz de retirar, informações politicamente relevantes, de sua vida diária e da mídia, à qual está exposto habitualmente, por razões de lazer e de interesse genérico em informações, e não especificamente sobre a política.
Não se trata, pois, de um eleitor sem informação, e sim de um eleitor com informações dispersas, desorganizadas, pontuais, sem a sistematicidade que o eleitor de alta informação lhes confere. Entretanto, são informações reais, relevantes para a vida dele, e são informações que dizem respeito ao mundo político. Sem alguma conexão com o mundo da política e do governo, entretanto, esta informação perde sua utilidade no processo decisório individual. Como, então, este eleitor conecta estas informações com a política e o governo?
A primeira resposta para esta questão apostava no que se chamou de pocketbook voting (o “voto do bolso”). Argumentava-se então que o indivíduo decidia seu voto em função da forma como percebia sua condição econômica pessoal. Se achava que estava bem, votava com a situação; se achava que estava indo mal, votava com a oposição.
Este tipo de explicação, entretanto, choca-se com os fatos e com os resultados das pesquisas de comportamento eleitoral. Os eleitores não decidem de forma tão simplista. O voto não reflete linearmente a condição econômica pessoal do eleitor. Ele se engaja em raciocínios que vão além deste fator e leva em conta outros aspectos que não apenas o econômico, o que invalida esta interpretação.
Em primeiro lugar, os eleitores sabem discriminar entre problemas de governo e problemas individuais. Segundo as pesquisas sobre o tema, os eleitores não atribuem ao governo a responsabilidade pela totalidade de suas vidas, seus sucessos e derrotas. Eles também consideram o impacto de fatores pessoais, familiares, sociais, e até, conforme a cultura, fatores misteriosos, como azar e sorte.
Também os eleitores reconhecem que, muitas vezes, o governo está se esforçando, está agindo certo, e mesmo assim os problemas não conseguem ser resolvidos. Mesmo eleitores que haviam ficado desempregados, não conectam automaticamente a culpa pelo seu desemprego com a ação ou omissão do governo. Não poucas vezes a responsabilidade pela situação de desemprego é assumida como pessoal. Em segundo lugar, os eleitores discriminam entre problemas de acordo com as respectivas responsabilidades dos diferentes níveis de governo.
Os eleitores também sabem diferenciar as respectivas responsabilidades dos diferentes níveis de governo, para diferentes problemas. O eleitor é capaz, portanto, de penalizar politicamente um partido, pela sua incapacidade de lidar com um problema social sério, no plano estadual, e, ao mesmo tempo apoiar este mesmo partido no plano federal, porque, aquele problema é julgado de responsabilidade do governo estadual e não federal, e inversamente.
O eleitor pode penalizar um partido, pela incapacidade de lidar com um problema sério
Em terceiro lugar, os eleitores discriminam também entre a situação atual e expectativas de médio prazo. Se o eleitor, ainda que considere que a situação atual lhe é prejudicial, possui expectativas de médio prazo de que ela vai melhorar, pode votar contra a lógica do seu “bolso”. As pessoas aceitam sacrifícios e incômodos, desde que tenham esperanças e confiança em mudanças para melhor no futuro próximo.
É importante lembrar sempre que as eleições testam também as preocupações do eleitor por progresso, segurança e benefícios públicos de médio prazo, e não apenas aquelas que supostamente produziriam benefícios diretos e imediatos. Não é demais lembrar que, com a sucessão de eleições, o eleitor fica mais experiente e pragmático. Ele passa a descrer de promessas atraentes e aparentemente fáceis de cumprir, porque “já se enganou” várias vezes.
Ele passa a valorizar mais a consistência; avanços pequenos, mas continuados; torna-se mais exigente na outorga de sua confiança aos governantes; e menos dependente de soluções mágicas e imediatas aos seus problemas, provindas de ações do governo. A situação corrente do eleitor é um parâmetro definido e importante no seu processo de raciocínio para decidir seu voto. Entretanto, entre sua situação atual e o seu voto, há, como se viu, muitas variáveis que intervêm.
É óbvio que para merecer o voto do eleitor, o candidato precisa estabelecer uma relação entre sua candidatura e a vida do eleitor. Nós prestamos a atenção naquilo que nos interessa, e ficamos impacientes e desatentos com assuntos que não nos tocam. O mesmo ocorre com o eleitorado.
O acompanhamento que o eleitor médio faz da política e das eleições, como já foi mostrado, é superficial, inconstante, e irregular. Cabe ao candidato opor à esta inconstância e superficialidade um eixo ordenador para a sua candidatura, que chamamos de foco e que permite ao eleitor identificá-lo, por sua mensagem, imagem e propostas principais.
O nexo emocional que necessariamente deve integrar o foco, desperta o interesse do eleitor, faz com que ele preste atenção no que está vendo e ouvindo, e retenha na memória a imagem e as idéias daquele que está falando sobre aquilo que lhe interessa.
Está errado, portanto, o candidato que supuser que o eleitor é um desesperado, que exige solução direta e imediata para seus problemas, e que espera da ação do governo uma melhoria instantânea para a sua vida pessoal e familiar. O eleitor médio, usando a sua racionalidade de baixa informação, é muito mais complexo e sofisticado no seu processo de decisão política do que esta “imagem de desesperado” supõe. As conexões, entre informações colhidas na vida diária, na mídia com a política e o governo, e, como veremos, também por ocasião da campanha eleitoral, são também conexões racionais, estabelecidas mediante atalhos cognitivos, bem mais diversificados do que a mera reação (positiva ou negativa), em resposta à sua condição econômica, por ocasião da eleição.
O eleitor faz conexões racionais com as informações da vida diária, mídia, política e governo
A Campanha eleitoral e a informação política
Com a campanha eleitoral, o suprimento de informações para os eleitores aumenta significativamente. Os candidatos são os mais interessados em provê-las, e o fazem de maneira constante, por seus programas de rádio, TV, e publicidade. A massa de informação disponível e dirigida aumenta, mas, o tempo e a disponibilidade, da parte do eleitor, para processá-la e interpretá-la, não cresce de forma proporcional.
Com a campanha, entretanto, surge uma informação nova: os eleitores são expostos às diferenças existentes entre os candidatos.
Isto não significa dizer que eles tomam conhecimento das posições de cada um dos candidatos e das diferenças existentes entre eles, de uma maneira precisa, completa e articulada. Perdura muita informação confusa, muita incorreção, mas, também é verdade que certos pontos de divergência ficam assentados e claramente absorvidos pelo eleitor.
As diferenças chamam mais a atenção, porque elas correspondem às contradições, conflitos, divergências entre os adversários, e o conflito sempre atrai e desperta a curiosidade. A campanha entretanto não é uma realidade única para o eleitor e para o candidato.
Existe a campanha real, isto é aquela que acontece por ação dos candidatos, mas também existe a campanha percebida pelo eleitor, que possui muitas diferenças em relação à campanha real. A campanha como é percebida combina elementos da campanha real, com outros elementos mais subjetivos, que o eleitor acrescenta à sua percepção.
Há um mecanismo, que as pesquisas de comportamento eleitoral identificaram, já na década de 60, mediante o qual o eleitor projeta suas posições políticas, valores, preconceitos no candidato que favorece, pressupondo que este atribua àquelas posições e valores a mesma importância que ele atribui.
A campanha daquele candidato, para aqueles eleitores, portanto é a campanha como é percebida: um misto de campanha real e de subjetividade do eleitor. É por esta razão que se diz, muitas vezes, que certos candidatos podem fazer e dizer o que quiserem que não são afetados, enquanto que outros, por pouco que façam ou digam, são duramente penalizados pelo eleitor.
Este mecanismo de projeção introduz necessariamente muitos erros factuais na percepção da campanha como realmente acontece no mundo dos fatos. São as divergências, os conflitos, os embates em torno de certas questões que reduzem estes erros, trazendo a campanha percebida para mais próximo da campanha real. Em conseqüência, há mais erros de percepção no início da campanha do que ao seu final; há mais erros numa campanha sem conflitos do que numa campanha com conflitos; e há menos erros de percepção entre os eleitores que se interessaram pela campanha e a acompanharam, do que há entre os que não se interessaram e não a acompanharam.
O político precisa ter sempre em mente que há várias campanha acontecendo entre os eleitores
Esta noção de que, em verdade, há mais de uma campanha acontecendo no campo da percepção dos eleitores, é de fundamental importância para o sucesso de uma candidatura. O candidato precisa conhecer qual é o conteúdo da campanha percebida, da parte dos seus eleitores potenciais, para poder comunicar-se com eles na mesma sintonia.
Não basta fazer a sua campanha real e supor que os eleitores a estão acompanhando religiosamente e a entendendo. A decisão de voto do eleitor seguirá o rumo definido pela campanha como ele a percebe e não necessariamente pela outra.
Já vimos que a existência de confrontos e divergências é um dos fatores que mais contribui, para fixar diferenças entre adversários, ensejar comparações, e despertar a atenção e curiosidade do eleitor para a disputa eleitoral.
Não apenas os conflitos, entretanto, contribuem para levar informações objetivas ao eleitor. Peças publicitárias bem produzidas podem atingi-lo não apenas em suas emoções, mas também em suas percepções. Os eleitores podem continuar ignorando fatos básicos sobre governo, administração, e propostas, mas, assim mesmo, eles colhem muitas informações da campanha eleitoral sobre: o que está em jogo na eleição, e as diferenças entre os candidatos nestas questões.
Campanhas eleitorais são importantes, principalmente porque, como vimos, grande parte dos eleitores, normalmente, não acompanha a política com regularidade, nem presta muita atenção às notícias políticas, e, não conhece muitas das coisas que um governo pode ou não pode fazer, nem o que os candidatos já fizeram no passado.
Campanhas eleitorais proporcionam ao eleitor estas informações, de forma atraente (publicidade) ou pelo conflito e debate (que fixa diferenças), enriquecendo aquela campanha percebida, aproximando-a mais da campanha real, e favorecendo desta forma uma decisão de voto mais racional.
Fonte: Política para Políticos