Apesar da Justiça Eleitoral proibir a participação de candidatos em inaugurações de obras públicas nos três meses que antecedem as eleições, os governantes costumam deixar para inaugurar as obras mais importantes e populares no final da gestão, pouco antes desse período.
É o temido período de fim de mandato, de conclusão de uma gestão. No Brasil, especialmente, costuma-se atropelar os prazos políticos. Ainda que exista 25% do mandato por cumprir, os atores políticos decretam, para todos os efeitos práticos, que aquela gestão já terminou.
O titular perde em importância na mídia e na classe política, em comparação com os pré-candidatos; os projetos em andamento perdem atração, em comparação com as novas propostas que já fazem seu aparecimento acompanhada das críticas ao que foi feito e está sendo feito; os critérios racionais passam a ser sacrificados em função dos critérios politico-eleitorais.
Em jogo um conflito duro entre um grupo político que luta por uma sobrevida na próxima administração e vários grupos opostos que lutam para sepultar politicamente o grupo no poder, e ocupar o seu lugar.
Neste contexto político, o marketing de fim de gestão torna-se, obviamente, extremamente complexo, delicado e perigoso, porque fica muito difícil, para o eleitor, traçar a linha divisória entre:
A legítima divulgação das realizações de uma gestão que está por encerrar-se;
A propaganda do grupo político no poder, com dinheiro público, com vistas à próxima eleição.
A oposição por certo vai impugnar a publicidade institucional de fim de mandato, alegando que é um abuso de poder usar as verbas públicas para promover algumas lideranças do governo. Os que estão no governo vão se defender, alegando seu dever de prestar contas de suas realizações. Entre ambos o eleitor, ora dando razão a um ora a outro, ainda que extremamente sensível às acusações da oposição.
Por esta circunstância, aos governantes recomenda-se muita cautela e sensibilidade na condução do seu marketing de fim de gestão. Dentre as várias ações de marketing do governo, assume especial relevo as inaugurações. Os governantes, como regra, guardam as obras mais relevantes e populares, assim como muitas outras de pequeno e médio porte, para o último ano de gestão, na suposição, de resto válida, que, estando mais próximas da eleição, seu recall (lembrança) por parte dos eleitores será maior e mais intenso.
Para que este timing produza os resultados políticos que se deseja, alguns cuidados devem ser tomados. Quem não se preocupa com estes cuidados especiais corre o risco de que sua obra, ainda que útil e valiosa, seja desmerecida como “politicagem”. Não resta dúvida de que a forma que toma a inauguração tem muito a ver com este julgamento do eleitor.
1. Cuide para não “over-inaugurar”
“Over-inaugurar” é um neologismo não reconhecido na nossa língua que traduz um excesso de liberdade do autor com o uso da língua pátria. Significa basicamente a prática de um excesso de inaugurações, a ponto de saturar o eleitor, diminuir a importância do que se inaugura, e, no limite, tornar-se ridículo. Faça uma seleção criteriosa do que merece uma inauguração formal, pública e festiva, e do que deve ser inaugurado com maior discrição.
Evite que sua obra, ainda que útil e valiosa, vire “politicagem”
2. Cuide para não tornar as inaugurações “aguadas”
O conceito popular de “aguado” conota a idéia de algo que não tem consistência, que foi banalizado, que, confrontado com o produto original, aparece como falsificado. “Aguar” as inaugurações significa banalizá-las, torná-las desinteressantes, comuns. Isto ocorre, principalmente, quando não se estabelece critérios para (1) inaugurar ou não; e (2) caso decida-se por inaugurar, dar a todas o mesmo tratamento.
A população satura-se de tantas inaugurações que, por seu formato semelhante, torna-as enfadonhas e repetitivas, e o eleitor passa a dar mais crédito às críticas da oposição de que se trata de “politicagem”. Você deve concentrar seus esforços e sua criatividade naquelas obras que, por óbvio, merecem e exigem uma inauguração que lhes confira a devida importância. Mas, além disso, você deve variar o formato da inauguração.
Algumas serão festivas, terão a forma de congraçamento, e os beneficiados participam ativamente dela; outras não serão festivas, mas serão informais, ao invés do palanque para discursos, o Prefeito visitará as residências dos moradores beneficiados para cumprimentá-los; em outras o ato de inauguração pode ser dividido entre a autoridade e pessoas do povo que representem valores simbólicos como o morador mais antigo, crianças, lideranças locais; outras ainda poderão ser realizadas dentro do modelo mais tradicional (discursos, palanque, cortar fita, etc). Neste último caso, você deve se assegurar previamente – tomando as medidas necessárias – de que haverá um público expressivo e satisfeito com a obra que foi realizada. Há inaugurações formais em que parece haver mais pessoas em cima do palanque do que os que ouvem os discursos.
Pense sempre, antes de decidir a forma da inauguração, qual o formato mais cabível para aquela obra, e para aquelas pessoas que dela mais diretamente se beneficiam. Use a criatividade. Obrigue sua equipe a sair do conforto do modelo convencional, para “inventar” a melhor inauguração possível para as pessoas que devem dela participar. Somente assim o impacto do ato de inauguração atingirá seus objetivos.
3. Cuidado com o auto-elogio
Você tem orgulho de sua obra, lembra que não foi fácil executá-la, sabe da importância que possui para sua comunidade. Em tese então você teria todos os motivos para receber a gratidão e o reconhecimento dos seus governados, o elogio das demais autoridades, dos órgãos de comunicação, e até sentir-se com justiça legitimado para comprazer-se com sua realização e até mesmo se auto-elogiar.
Em tese. Na realidade funciona diferente. A obra é deles, eles pagaram por ela com seus impostos. Você, na melhor das hipóteses, foi competente, cumpriu o que prometeu, mas não se iluda, para a maioria não fez mais que sua obrigação.
Não se engane, você é a autoridade mas a inauguração é deles e não sua. Se no seu discurso, na forma como se relaciona com eles, nos discursos que precedem o seu, a ênfase estiver colocada em você, nos seus méritos, na sua eficiência, na sua dedicação, nos sacrifícios por que passou para realizá-la, etc, você será percebido como se apropriando, grosseiramente, de uma realização que não lhe pertence.
Assim funciona com as obras a serem inauguradas. Elas devem falar por si próprias quanto à sua importância, e quanto ao seu mérito em tê-las realizado. A inauguração sendo bem preparada, administrada com sensibilidade, inteligência e modéstia, as pessoas chegarão à conclusão que você deseja, sem que você tenha que gritar e repetir à exaustão os seus méritos pessoais.
Fotne: Política para políticos