Não há vida política fora do âmbito da imagem. Atenção, portanto, aos agentes e processos de constituição desta identidade pública.
Um homem público somente pode ser conhecido por sua imagem. A muito poucos é dado conhecê-lo de maneira mais completa, íntima e pessoal. Hoje se tornou praticamente impossível falar-se em política, sobretudo, em eleições, sem recorrer ao farto uso da palavra imagem, cujo conceito é dos mais ricos e complexos da linguagem política. Trata-se de um termo que pertence simultaneamente aos campos da publicidade, da psicologia e da política.
Além de positiva ou negativa uma imagem pode precisar correções
Além de positiva ou negativa, a imagem, pode ter ficado “arranhada”, “comprometida”, “prejudicada”; pode precisar de “correções” e “ajustes”; pode, ainda, estar em processo de “criação”, “construção” ou “mudança”; pode estar em consonância com a expectativa dos eleitores ou em conflito com elas; possui “atributos” pessoais e profissionais nos quais pode ser decomposta; pode ser um “produto” de publicitários e marqueteiros ou só o “jeitão” do candidato, para citar apenas algumas das referências mais comuns que são feitas.
Não há saída: assumir uma carreira pública significa, inevitavelmente, aceitar que você adquirirá uma imagem – que pode ou não ser compatível com a que você tem de si mesmo – e que terá de administrá-la, para evitar que ela venha a ser deturpada.
Administrar a imagem é, portanto, matéria da maior relevância para o sucesso político e para o desempenho de suas funções administrativas. Administrar a imagem é, contudo, um empreendimento muito complexo e difícil. Porque a imagem, uma vez constituída, torna-se uma construção social, suscetível de um controle apenas parcial da parte do homem público que a detém. Se mal administrada, pode escapar ao seu controle e dar origem a uma caricatura que, embora não corresponda aos seus sentimentos, torna-se socialmente uma realidade.
Esse processo perverso é mais comum do que se imagina, porque os potenciais homens públicos encontram-se na peculiar condição de possuir um grau de visibilidade – frequência e intensidade de exposição social – inversamente proporcional às reais possibilidades de contato pessoal com o público.
As pessoas comuns lidam com esta situação de contato mediatizado e intermitente codificando e etiquetando o político de forma mais ou menos arbitrária, com base em características e atributos que acabam por conformar uma imagem definida.
Ora, é esta imagem codificada que pode, por sua reiteração, adquirir vida própria, vindo a constituir-se de maneira simultânea numa irrealidade pessoal que, não obstante, é uma realidade social. A visão ingênua do político e, incidentalmente, de muitos marketeiros sobre esse tema tende a assumir duas formas:
O poder “demiúrgico” do marqueteiro para criar uma nova imagem
A ingênua suposição do candidato de que basta transpor as mesmas características pessoais do mundo privado para o mundo político
Em ambos os casos, o pressuposto é o mesmo: a crença na capacidade de a vontade política impor socialmente a imagem desejada. No primeiro, incide-se na ilusão de que os profissionais da publicidade e da comunicação têm o poder de compor, vender e socialmente impor a imagem desejada, pelo uso adequado das respectivas técnicas guiadas pelo talento e criatividade. A imagem desejada, “construída na prancheta” é ensinada ao político, por ele introjetada e interpretada, tornando-se, a seguir, sua segunda natureza. No segundo caso, cede-se à falácia de acreditar que a transposição linear das características pessoais e de estilo que constituem a real personalidade – cristalizada ao longo dos anos numa situação de privacidade protegida – podem vir a ser transferidas ao mundo da política com igual eficiência, embora sem a proteção da privacidade e sujeitas a uma exposição pública constante.
A imagem será construída com seu consentimento e sua participação
As duas falácias – a “demiúrgica” e a da “transposição” – evidenciam uma incapacidade de entender as verdadeiras natureza e dimensão do fenômeno de construção e administração da imagem desejada como uma metamorfose. Metamorfose, neste contexto, não é a substituição oportunista de uma identidade por outra, tampouco a imposição da personalidade plena e total da pessoa, constituída ao abrigo da vida privada, como identidade política, “gostem ou não”.
Ela é a exteriorização e o desenvolvimento de uma vocação latente – embora autêntica, orientada, corrigida e conduzida por profissionais talentosos, experientes e sensíveis – para uma composição entre imagem e personalidade livre, lúcida e conscientemente assumida. Trata-se de uma construção mais de negociação de diferenças que de imposição; mais de descoberta e aprendizado que de representação.
A metamorfose é indispensável e inevitável na transição do mundo privado para o mundo da política. Ela vai ocorrer de qualquer forma. Ao político nessa situação oferecem-se duas alternativas:
A imagem será construída apesar e até mesmo contra ele – situação em que ela for socialmente constituída
A imagem será construída com seu consentimento e participação, o que lhe oferece os critérios necessários para administrá-la
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Além disso, a metamorfose possui balizamentos nítidos. De um lado, encontra-se delimitada pela personalidade do político – a autenticidade – e de outro pelas exigências que o exercício do cargo impõe – poderes e responsabilidades, definição institucional e imagem do órgão, qualificações necessárias, expectativas sociais etc.). Além desses limites à latitude do poder criativo sobre a imagem, há também o fato de que o homem público, mesmo o iniciante, possui uma história de vida e uma imagem pré-existentes. Sua nova fase precisará guardar uma razoável coerência com sua prévia história profissional, pessoal, familiar e, sobretudo, política.
Fonte: Política para Políticos