Governo quer alterar limite da Lei do Silêncio

Diante do fechamento de bares, restaurantes e demais estabelecimentos de entretenimento e cultura, o Governo do Distrito Federal planeja alterar os limites da Lei do Silêncio. Seguindo a estratégia adotada no embate entre o Uber (serviço de transporte particular) e os taxistas, o Buriti deverá apresentar uma proposta de mudança para a Câmara Legislativa. Ou seja, a nova legislação não será tão flexível quanto esperam comerciantes e produtores culturais, mas também não manterá os atuais níveis de ruídos, defendidos por líderes comunitários e moradores.

O Buriti montou uma comissão intersetorial para analisar  os  prós  e  contras  das alterações dos níveis de barulho tolerados pela legislação. A equipe colocará na balança as sugestões de modificações, sustentadas por empresários do setor, com as reclamações dos cidadãos que desejam sossego em seus lares. O grupo terá até a próxima sexta-feira para apresentar um relatório para  a cúpula do governo. O conteúdo embasará  um esboço de minuta para a Câmara Legislativa.

Norma “antiquada”

O Executivo ainda define se alteração virá por sugestão de uma nova lei ou uma Proposta de Emenda à Lei Orgânica. “O governo quer fazer uma adaptação da legislação. A lei vigente está antiquada e temos que tirar a rigidez dela. É preciso viabilizar o comércio e estimular a economia”, confidenciou um integrante do governo. Ao longo dos últimos meses, empreendimentos foram fechados, como Balaio Café e Schloss, ambos na Asa Norte.

Pelos corredores do Buriti, comenta-se que o governo buscará uma proposta que ajude a reaquecer a economia local. “O objetivo do governo não é inviabilizar o entretenimento na cidade”, afirmou uma fonte do Buriti.

Em entrevista ao JBr. na semana passada, o governador Rodrigo Rollemberg defendeu que a cidade “precisa de música, entretenimento e lazer” e disse acreditar no diálogo como solução.

Mas engana-se quem pensa que o tema é consenso dentro do Buriti. Há alas do governo que consideram que não deve haver   modificação. Prova disso são debates dentro da própria comissão intersetorial. Desde a última sexta-feira,  houve três  reuniões acaloradas.

Por nota, a Casa Civil declarou que só vai se pronunciar quando a minuta do   projeto estiver em andamento.

Comissão

A Comissão Intersetorial para revisão da Lei do Silêncio é composta por membros da Governadoria, Casa Civil, Instituto Brasília Ambiental (Ibram), Agência de Fiscalização (Agefis), Secretaria de Gestão do Território e Habitação (Segeth), Secretaria do Meio Ambiente (Sema), Forças de Segurança Pública e administrações regionais.

PM recebe 127 queixas em oito horas

Na esteira da possível aprovação de uma nova Lei do Silêncio, reclamações por volume alto ocupam o tempo de viaturas e não resolvem os conflitos. Na madrugada do último domingo, por exemplo, em menos de oito horas, a Polícia Militar registrou 127 chamados por som automotivo em uma dezena de regiões do DF, mas ninguém foi preso, sequer multado.

Conforme o coordenador de Fiscalização Ambiental do Instituto Brasília Ambiental (Ibram), Fernando César Magalhães de Medeiros, foram duas mil reclamações de poluição sonora entre janeiro e junho de 2015. Segundo esse   levantamento mais recente do instituto,  apenas 10% do total resultou em autuações, sendo 174 advertências, 20 multas e 11 interdições.

“As pessoas estão se digladiando, mas    pouco voltadas para tentar resolver o conflito”, critica Medeiros. Para ele, é mais importante que os cidadãos compreendam os limites tanto de estabelecimentos comerciais quanto dos moradores. “O que percebo muito indo a reuniões é que as pessoas veem seu lado sem enxergar o do outro. Às vezes, a pessoa quer dormir, quer sossego, mas é reticente em entender a necessidade do comerciante, do responsável pela igreja”, completa.

Bares e motoristas exageram

No levantamento do Ibram, Taguatinga, segunda região mais populosa do DF, foi a cidade recordista de advertências (36) em 2015. Moradores reclamam de estabelecimentos comerciais desrespeitosos ao sossego e de motoristas com sistemas de som potentes próximos a zonas residenciais.

“Sempre que vou à padaria, escuto um barulho alto vindo dos carros, principalmente à noite”, relata a dona de casa Ruth Bezerra de Menezes, moradora da CSE 2. Ela vive com o marido e três filhos e garante ter se estressado várias vezes devido a veículos com som alto estacionados na praça. “Tinha de haver fiscalização. Falta bom senso”, diz.

Ela lamenta que em todas as cidades onde já viveu, Guará, Areal e agora Taguatinga, sempre lidou com os mesmos problemas. “Tinham de fazer uma campanha de conscientização, e a polícia tem que ficar em cima”, sugere. Segundo Ruth, chamar as autoridades não inibe os motoristas de retornarem.

O DJ Renê Maurício de Souza, 42 anos, conhecido como Renê Ricochet, admite já ter extrapolado no volume de comemorações. Como profissional do setor musical, porém, pensa ser importante uma Lei do Silêncio para garantir o bem-estar da população.

“Música empolga, faz a pessoa beber. As conveniências de postos, por exemplo, estão fechando e proibindo por causa disso”, opina. Ele garante que, em bares e restaurantes, porém, falta profissionalismo para cumprir as exigências legais. “Por que, em São Paulo, os lugares não fecham? Lá eles correm atrás de isolamento (acústico). Aqui em Brasília, ainda tem empresário colocando papelão com caixa de ovo para abafar o som”, critica.

Incômodos e desavenças

A Polícia Militar afirmou, por meio da assessoria, lamentar que os chamados por sons incômodos dispendam tanto esforço da corporação. “Esse tipo de ocorrência envolve deslocamento de equipes que poderiam estar prevenindo ou atuando em crimes graves”, disse a polícia, em nota. Segundo a corporação, o procedimento padrão é, em princípio, o diálogo e, caso não surta efeito, a condução dos autores à delegacia mais próxima.

Essa ação gera conflito, como na véspera de Natal, na 410 Norte, onde cerca de 15 jovens, após reclamação de barulho, entraram em desavença com a Polícia Militar. Uma semana antes, a Operação Bares da Moda gerou polêmica, pois donos de estabelecimentos acusaram militares de constrangerem seus clientes. Na ação, os policiais tiraram pessoas de mesas nas calçadas e sob puxadinhos.

Os estabelecimentos foram autuados diversas vezes por barulho antes de, enfim, fecharem as portas. Conforme o coordenador de fiscalização ambiental do Ibram, Fernando César Magalhães de Medeiros, isso faz parte da rotina. “Uma fatia dos autuados consegue se adequar, e outra parte não”, resumiu. Para ele, no entanto, os empresários devem se atentar aos anseios dos moradores ao redor.

“O caso mais emblemático é o do Feitiço Mineiro (308 Norte), autuado por ruído. Os donos fizeram isolamento acústico e nunca mais foram perturbados”, exemplificou. Segundo Medeiros, a   lei, cujos parâmetros sonoros ainda não estão claros, pode ser importante para diminuírem as desavenças entre a população e os propagadores de cultura, músicos e artistas do DF, mas falta embasamento científico.

“Até o momento, não tenho nenhum instrumento para dizer que a lei atual não seja eficiente. Os limites da antiga lei se baseiam nas diretrizes da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) e existem demarcações para diferentes áreas. Os limites propostos por esse novo projeto de lei não mostram a base científica utilizada para majorar os valores. Acho que falta um pouco de amparo científico para definir se o limite está restritivo ou não. Falta um estudo de fato”, argumenta o coordenador.

Saiba mais

A atual Lei do Silêncio em vigor no DF foi sancionada em 2008. Ela delimita os decibéis máximos permitidos em áreas comerciais e de vocação recreativa em 65 durante o dia. Os empresários do setor produtivo reclamam ser um parâmetro muito baixo e ajudaram a formular o novo projeto, com limite máximo de decibéis menos restritivo.

No ano passado, o deputado distrital Ricardo Vale (PT) tentou levar à frente uma revisão da Lei do Silêncio. Mas, sob forte pressão da sociedade, o projeto não teve êxito.

Em maio de 2015, manifestantes protestaram contra a Lei do Silêncio na quadra onde vive a mãe do governador Rollemberg. O grupo também cobrou providências para o aquecimento da vida cultural no DF.

Fonte: Jornal de Brasília

 

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